Animal



Era uma noite macabra, fria e enevoada, onde o brilho da lua era oculto por nuvens ralas que rasgavam um céu obscuro e desprovido de estrelas.
As ruas encontravam-se completamente desertas, e a cidade dormia. Apenas as luzes dos postes falhantes insistiam em dividir espaço com o silêncio. Árvores tremulavam e provocavam o som tranquilo de um singelo farfalhar.
Ninguém ousaria perambular por aquelas ruas, ninguém, exceto o mais tolo dos animais.
E, ali estava ele, arrastando-se pelas calçadas sujas de um beco abandonado que era unicamente iluminado pelo luar cálido e prateado.
Arrastava-se em um rumo consciente, suas pernas semimortas o levaram em direção a uma esquina. Para muitos se tratava de uma esquina comum, mas não para ele. Nela não havia muita coisa além de mais um poste tosco com uma luz fraquejante. Havia ali três latões carregados de lixo, que possivelmente o carro de coleta havia deixado passar despercebido.
O animal avançou com seus olhos tristes, remotos e profundos em direção as latas de lixo. Toda sua vivacidade se exaltara naquele momento. Suas patas feridas, com unhas quebradas e encravadas rasgavam demasiadamente os sacos de lixo. E sua boca, cheia de dentes podres que já começavam a adquirir um formato de ponta de lança, abria-se para a entrada do seu alimento, sua única refeição diária, o que lhe movia e o que lhe fazia respirar...
Ele comia com gosto, mastigava cada resto de comida podre como um leão mastigaria a carne de sua presa recém-capturada.
A única renuncia daquele animal tratava-se de ele ser um ser humano. Um homem velho e ignorado, cujo certamente já estava completamente acostumado com aquela imunda rotina. Um homem como outro qualquer, mas que o destino não lhe dera oportunidades e que a sociedade o fizera selvagem.
E, até o final da noite ele continuou onde estava, se alimentando, exaltando seus extintos ultramente selvagens, se transformando de fato, em um animal irracional.

Originalmente publicado na antologia Expo7 2011 (categoria - crônicas)



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